Cicloturismo no Vale Europeu (SC)


Viajar de bicicleta no Brasil ainda é novidade. Mas começou a virar moda num certo pedaço do interior de Santa Catarina conhecido como Vale Europeu. Nessa região, cuja principal cidade de referência é Blumenau, foi criada uma rota demarcada para os amantes do cicloturismo: 300 km de percurso que passa por sete pequenas cidades, para ser realizado em sete dias de pedaladas. Tudo bem que percorrer tal distância seria muito fácil e rápido de carro. A ideia de viajar de bicicleta, porém, tem a ver com perceber os lugares de forma mais intensa e completa, entender as distâncias e admirar as mudanças de paisagem, que nesse trecho alterna lagos, bosques de pinheiros, cachoeiras monumentais e curiosas cidadezinhas que guardam a herança da colonização alemã. É uma viagem incomum por um pedaço diferente do Brasil.

O Vale Europeu catarinense se estende ao longo do Rio Itajaí-Açú, que corre pela parte norte do Estado, onde estão plantados dezenas de municípios cuja cultura deixada pelos imigrantes germânicos pode ser vista em toda parte: nas casinhas de arquitetura enxaimel, nos jardins impecáveis, na gente loirinha que anda pelas ruas e nos restaurantes de comida típica. Talvez seja por isso que um dos roteiros mais bem estruturados para o cicloturismo no País tenha surgido justamente nesse lugar, pois viajar de bicicleta é um hábito comum e arraigado na Europa. Alemanha e Suíça, só para citar dois exemplos, contam com dezenas de rotas para ciclistas, trens com vagões especiais para transporte das bicicletas, estacionamentos adaptados e ruas com vias exclusivas.


Preparo físico

É bem verdade que 300 km de pedaladas não é para qualquer um. Mesmo com o percurso dividido em uma semana são cerca de 4 a 5 horas sobre a bike a cada dia, em média. Trata-se de um roteiro para quem já pratica a atividade com certa frequência. Não precisa ser atleta, mas ter um razoável preparo físico é fundamental, assim como dispor de equipamento adequado: uma boa bicicleta, luvas, capacete e bermuda térmica. Os mais experientes costumam cumprir todo o circuito em até menos tempo do que o recomendado, em quatro ou cinco dias.
O roteiro, oficialmente implantado em 2006, está demarcado com placas no caminho, que é totalmente rural. Inclui apenas estradas de terra e ruas secundárias, não passa por rodovias. Começa em Timbó, a 30 km de Blumenau, e segue em direção de Pomerode, Indaial, Rodeio, Doutor Pedrinho, Rio dos Cedros e Palmeiras, até terminar no ponto de partida, em Timbó. A hospedagem é feita em pousadas e hotéis em cada uma dessas cidades.
A rotina de quem encara a aventura, no entanto, é bem tranquila. Uma semana, tempo sugerido para completá-lo, dá e sobra para pedalar com calma e ainda parar nas principais atrações do trajeto, que inclui as fabulosas Cachoeiras do Zinco e do Paulista, a Rota do Enxaimel, em Pomerode, que margeia meia centena de casas com típica arquitetura trazida pelos imigrantes, além de restaurantes de gastronomia alemã e italiana. O ponto alto é em Apiúna, onde é feito o rafting no Rio Itajaí-Açú, um dos melhores do Brasil para a atividade, com trechos para diversos níveis de dificuldade, desde o básico, para quem nunca entrou num bote inflável, a outros bem mais radicais.
A largada


A viagem começa ao lado da ponte sobre o Rio Benedito, que corta Timbó. Há um quiosque de serviço turístico onde o ciclista pega o kit de informações sobre o trajeto. Custa R$ 10 e inclui uma cartilha que traz mapas, descritivo de cada trecho dia a dia, com a indicação das principais atrações do caminho, e até um engenhoso gráfico de plano altimétrico que mostra a elevação do terreno de acordo com a distância percorrida, para que o ciclista tenha a exata noção das subidas que irá enfrentar.
Antes, a primeira carimbada no “passaporte” fornecido no kit. Cada etapa completada vale um novo carimbo, a cargo dos hotéis credenciados. Ao final, o passaporte é trocado por um “certificado”, elegante, impresso em papel cartão, atestando a conclusão do cicloturismo no Vale Europeu – uma espécie de troféu pelo esforço empreendido.
A primeira etapa da viagem leva a Pomerode, cidade mais visitada e famosa da região, tão alemã quanto um prato de chucrute. Basta alguns minutos para perceber que pelas ruas de nomes impronunciáveis circulam muito mais loirinhos e loirinhas do que se poderia supor em território nacional. Todo mundo por ali fala alemão, pois em Pomerode o português é segunda língua. O artesanato local também tem a cara germânica (delicadas casinhas e alegres girassóis de madeira) e das confeitarias, em especial a Torten Paradies, saem fantásticas cucas, espécie de torta feita com massa de pão e cobertura doce.
Também é fácil notar como a bicicleta faz parte da vida dos moradores de Pomerode. Há mais bikes circulando pela ciclovia da rua principal do que carros. Nos portões das fábricas, como a alemã Bosch, o que se vê são centenas de magrelas saindo às 6 horas da tarde. Ninguém quer saber de ônibus. Até porque as distâncias são curtas numa cidade de apenas 27 mil habitantes. E não apenas em Pomerode é assim. A tradição do ciclismo é um dos traços da cultura em diversos municípios do Vale Europeu.
A maior atração em Pomerode é a tal Rota do Enxaimel, uma estrada de terra de 8 km repleta de casas de arquitetura típica alemã, construídas pelos bisavós dos atuais moradores. Numa delas mora dona Cecília Radünz, 77 anos, que desde que se casou, na juventude, vive ali com a família. As fotos do casamento enfeitam as paredes da modesta habitação. Difícil é puxar conversa com a simpática senhora, pois dona Radünz, apesar de nascida no Brasil, mal fala português, assim como muitos outros descendentes de imigrantes em Pomerode. Em outra casa, um pouco mais à frente, adaptada como pequena pousada, dona Ilze Wachholz recebe os visitantes para um café da tarde com a mesa coberta por especialidades ensinadas pela avó, como biscoito de orelha de gato, a cuca de farofa e queijo colonial, que eles chamam de krauterkaese.

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